Quem te medo do 3º PNDH?

Contribuição de Dra. Maria Cecília Ladeira:

Aurora Coentro*

                        O  3º Plano Nacional de Direitos Humanos aprovado pelo governo, embora  respaldado pela assinatura de trinta Ministros de Estado e pelo art. 1º, III, da Constituição, vem sendo apontado como medida demagógica e eleitoreira, por setores da mídia.
                        Os Programas Nacionais de Direitos Humanos têm sido preocupação das sociedades democráticas e, em nosso País, se iniciam no ano de 1996, com a aprovação do 1º Plano, seguido pelo 2º, no ano de 2002 – ambos no governo FHC e, no início deste ano, do 3º PNDH. Todos eles refletiram conclusões extraídas de inúmeras conferências nacionais em diversas áreas como saúde, segurança, meio ambiente, políticas públicas, cultura, cidadania.
                        Interessa-nos aqui travar a discussão sobre a  utilização de modelos alternativos de solução de conflitos, sobretudo,  coletivos e no meio rural- um dos objetivos estratégicos do 3º Plano.
                        O binômio terra e renda demonstra quão perversa é a estrutura agrária no Brasil.  O índice de Gini que indica o grau de concentração da terra, pelo qual a taxa um indica que toda a terra pertence a um único dono, atingiu  0,872, em 2006( IBGE). E terra concentrada, implica poder sobre aquele que dela efetivamente tira seu sustento - o trabalhador rural (posseiro, meeiro ou assalariado rural). O resultado, não raro, é o despejo de trabalhadores, seja por meio de liminares concedidas judicialmente, seja pelo uso da violência. Para os que ficam, resta a insegurança ou o trabalho degradante. Se ontem tínhamos os engenhos seguidos das usinas de açúcar, hoje temos o agronegócio e seus mega projetos nas áreas de exportação (soja, gado, entre outras). Estes elevam os índices de exportação, mas em nada melhoram as condições de vida e trabalho dos que laboram a terra e tampouco dos consumidores pela insistência no uso de agrotóxicos e prejuízo ao meio ambiente.
                        A organização dos trabalhadores rurais, pela via de associações, sindicatos, movimentos de sem terra,  comunidades eclesiais de base vem tentando conduzir o trabalho de conscientização de seus companheiros e sensibilizar autoridades para a importância de modificar a estrutura de exploração no campo. Não é fácil e a resistência se faz sentir pela própria leitura de jornais, revistas e programas televisivos. No entanto, buscam eles tão somente o respeito à dignidade do homem, a valorização de seu trabalho e mecanismos que ponham fim à violência no campo.
                        Dentro do 3º PNDH tem-se o objetivo estratégico de acesso à justiça no campo e na cidade e as ações programáticas ligadas a tal objetivo. Entre estas, a de assegurar a criação de um marco legal para a prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos, garantindo o devido processo legal; propor projeto de lei voltado para a regulamentação do cumprimento de mandados de reintegração de posse e correlatos, garantindo a observância dos direitos humanos; promover o diálogo com o Poder Judiciário para o enfrentamento de conflitos coletivos e,por fim, propor projeto de lei para a institucionalização e utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários, mediante audiências coletivas com as partes envolvidas, o Ministério Público, poder público local, órgão público especializado e polícia militar, como medida preventiva de liminares judiciais, sem prejuízo de outros meios para a solução dos conflitos.
                        A última proposta deflagrou, sobretudo nas entidades representativas dos proprietários rurais,  pesada artilharia contra o PNDH, cujos argumentos não se sustentam.
                        A mediação prévia de conflito já vem sendo usada no meio urbano desde o ano de 2000, quando promulgada a Lei 9958, de 12 de janeiro daquele ano, que instituiu as Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com objetivo de conciliar os conflitos individuais de trabalho antes do ajuizamento da ação.             A conciliação extra-judicial se insere no projeto de flexibilização das relações de conflito trabalhista. E não há negar que, se e quando efetivamente conduzida por legítimos representantes das partes é poderoso fator de redução de processos que se avolumam nas diversas varas do trabalho.
            Mas,  quando tentativa semelhante chega ao campo, a resistência chega quase à histeria, em flagrante desrespeito ao denso trabalho realizado por profissionais sérios e competentes e que nada mais fizeram do que respeitar conclusões de congressos e antigas reivindicações dos trabalhadores rurais. Nas lides trabalhistas urbanas os empresários defendem as Comissões de Conciliação Prévia, chegando ao extremo de sustentar que um acordo ali firmado impede o acesso do empregado ao Poder Judiciário, ante a eficácia liberatória da transação efetuada. Já os proprietários de terra sequer querem ouvir falar em mediação como forma de evitar o conflito que, não raro,  decorre da concessão de liminares em ações possessórias. Sequer se deram conta de que, como vivemos numa Democracia, por óbvio, a proposta inserida no PNDH é de encaminhar projeto de lei ao Congresso, com discussão e tramitação constitucionalmente asseguradas.
                        Os tempos são outros e ninguém mais tem medo de gritaria. Os trabalhadores, os advogados, os técnicos e os estudiosos estão conscientes de que propostas devem ser analisadas e discutidas de forma transparente e consistente. As propostas do 3º Plano aprovado engrandecem o País, demonstrando a preocupação com o seu povo. Podem e devem ser melhoradas, aperfeiçoadas e até modificadas, mas jamais soterradas.  E depois, como ensina o grande advogado B. Calheiros Bonfim, “Não existe interesse e ideal mais nobre do que contribuir para o bem-estar da coletividade.”      Rio 1/02/2010

*Juíza do Trabalho

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