Raimundo Pires Silva
A redistribuição dos direitos sobre a propriedade, ou seja, a modificação do regime de posse, uso e gozo da terra, constitui a essência dos assentamentos de reforma agrária.
A modificação no uso da propriedade feita pelos assentamentos rurais necessita ser drástica, isto é, o modo de produção precisa apresentar características estruturais totalmente diferentes do que era antes. Sendo assim, cabe colocar que a formação dos assentamentos não pode ser um processo tênue e transitório de concessão da terra com vistas a acalmar as inquietações dos trabalhadores sem-terra, mas, deve sim ser uma nova estrutura produtiva.
Neste contexto, pode-se então, afirmar que o assentamento não é uma ação evolutiva, mas um tipo de dispositivo legal que acaba gerando sempre novos conflitos na busca dos assentados por seus direitos[1].
Ocorre que, ao longo dos anos, os assentamentos se constituíram num tipo de consagração da luta – a conquista da terra – que logo se desdobraram em novas perspectivas: de produção, de renda, de moradia, de condições dignas de vida. Portanto, promoveram novas frentes de luta, que se pode resumir na busca por crédito, assistência técnica e; infra-estrutura física, econômica e social.
Contudo, há que se destacar que o modo de produção dos assentamentos repetiu o da ”revolução verde” – onde a base técnica da agricultura passa a utilizar insumos químicos e mecânicos, com reflexos ambientais. Não houve mudanças, a produção assentada ocorreu na mesma base técnica do que antes.
Permeou nesse sistema de produção dos assentados a seguinte constatação: à medida que o processo produtivo se estabeleceu, a autonomia da unidade familiar assentada manteve sua subordinação às leis dominantes do setor patronal/agroindustrial.
Observa-se que apesar dos ganhos sociais que foram viabilizados com a criação dos assentamentos, a trajetória produtiva dos mesmos foi marcada pela manutenção do modo de produção anterior, sendo que esta manutenção do “status quo” trouxe conseqüências drásticas para autonomia da unidade familiar dos assentados.
As políticas públicas de fomento ao assentamento também não conseguiram reverter e/ou sanar esse quadro perverso. Cabe relembrar também o papel do Estado na condução dos assentamentos. De um lado teve a acuidade com os requisitos e processo de instalação dos assentamentos, em outro momento se mostrou uma instituição oscilante e muita vez ausente do seu papel de alicerce do processo produtivo do assentado.
Tem que se reverter essa situação. Para tanto, há que se propor um tratamento distinto, consagrando o princípio da política agrícola diferenciada, onde se inscreve uma nova agricultura, novo processo produtivo do assentado centrado no trabalho e não no capital.
Essas novas políticas públicas de reorientação do sistema de produção e trabalho devem ser conduzidas e sustentadas por quatro eixos: fomento, extensão rural, investimento/logística e segurança alimentar (compra estoque e distribuição). E ainda, devem conduzir a um processo de desenvolvimento econômico baseado na construção democrática, com ampla participação dos assentados e suas organizações.
[1] Ver Medeiros et ally. Assentamentos rurais: um convite ao debate. Revista da ABRA. São Paulo: vol.22, set/dez, 1992.
2 comentários:
Tá, mas é para produzir para o mercado, né?
Então o mode produção pode ser cristão-captalista, verde-capitalista, reciproco-capitalista, que no fundo é o velho familiar-capitalista.
Não acho que reforma agrária muda o modo de produção, até porque ela e ele são socialmente determinados até o último fio de esperança.
Beijo
Querido Raimundo, muito bom seu diagnóstico sobre os modos de produção nos assentamentos. Como no final você aponta quatro eixos (na verdade cinco) que poderiam sustentar as políticas públicas para reorientarem o sistema de produção, deixo uma sugestão: escrever sobre como seria a atuação em cada eixo. Abraço Otilia
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