Uma pequena lembrança para contribuir com o direito agrário

Raimundo Pires Silva
Há pouco tempo recebi um correio eletrônico do professor Juca, mais conhecido como professor José Juliano de Carvalho, que a partir de um arrazoado meu sobre a atualidade da reforma agrária fez a seguinte reflexão: a questão agrária hoje é o direito a vida versus o direito a propriedade.
Essa reflexão me remeteu a uma situação de São Paulo, onde os processos desapropriatórios enfrentam a morosidade do judiciário, e ainda, falta de conhecimento dos magistrados sobre o direito agrário, sendo que nesse caso, tratam entes diferentes (público e privado) de forma igual, sob o manto do direito civil e não sob o manto do direito agrário e direito constitucional.
E essa situação me fez lembrar de um texto de José Gomes, em que ele apresenta os argumentos de alguns juristas, que subscrevo abaixo na integra, a fim de colaborar com o debate da importância do direito agrário no contexto de um país que precisa resolver sua questão agrária e realizar sua reforma agrária. Esses argumentos estão baseados em dois princípios da nossa constituição:
- O direito à vida sobrepõe-se ao direito da propriedade.
- O conflito entre o latifúndio, de u
m lado, e o direito à moradia, ao trabalho e à vida, de outro, não pode deixar de ser tratado, sob o ponto de vista jurídico, à luz dos valores supremos de uma sociedade fraterna, fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e externa, com a solução pacífica das controvérsias (v. preâmbulo da Constituição Brasileira).

A seguir a opinião de alguns juristas elencados, num artigo na revista da ABRA, por José Gomes (1995):
·   Regis Fernandes de Oliveira (Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ex-presidente da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros): a terra deve ser amplo seio de onde todos retiram o seu ganho. Somente pode ser apropriada e garantida pelo poder público quando esteja produzindo e prestando serviços a todos.

·    Prof. José Oliveira Ascensão (autor de O Direito: Introdução de Teoria Geral): A ordem jurídica não é uma estrutura estática e acabada, mas uma ordem evolutiva, uma resposta diferente a cada nova situação social.

·    Francisco Muniz (Desembargador do Estado do Paraná): a importância da posse em nosso meio social com estrutura necessária ao uso e gozo das coisas pelas pessoas, para a satisfação de suas necessidades vitais.

·    Comissão elaborada e revisora do anteprojeto do Código Civil integrada por Miguel Reale (supervisor); José Carlos Moreira Alves; Agostinho de Arruda Alvim; Sylvio Marcondes; Ebert Viana Chamoun; Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro (membros): O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta, de boa fé, por mais de cinco anos de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Nesse caso, o juiz fixara a justa indenização devida ao proprietário, pago o preço valerá a sentença como título para a transcrição do imóvel em nome dos possuidores.

·   Fábio konder Comparato (Prof.da Faculdade de Direito da USP): a Constituição não assegura apenas o direito à simples sobrevivência, mas sim o direito a vida digna, o que supõe, antes de mais nada a exigência de que todos os poderes públicos – inclusive o judiciário – atuem de modo eficiente para a eliminação dos fatores da desigualdade social básica. Constitui evidente negação do direito a uma vida digna o fato de alguém encontrar-se impossibilitado de prover a própria subsistência e a de sua família. No sistema constitucional, portanto, a propriedade não é um direito fim, mas um direito meio. É garantida como meio de preservação de uma vida digna para todos, mas não pode ser protegida quando se transforma em instrumento de exclusão de trabalhadores. Por isso mesmo, quando a Constituição determina, que a propriedade atenderá a sua função social, ela está obviamente atribuindo aos despossuídos o direito de exigir do proprietário o comprimento desse dever fundamental. A maior parte de nossos juízes, no entanto, continua a julgar rotineiramente, como se não existisse Constituição neste país, ou como se as declarações de direitos humanos fossem meras declamações retóricas para ornar discursos de fim de ano.

·    Eugênio Fachini (Juiz de Direito): para o Direito Agrário não interessa a origem da posse e sim a finalidade dela.
Espero que este retorno ao artigo de José Gomes faça com que mais juristas e outros venham a contribuir com o debate e com a necessidade do direito agrário na formação dos profissionais do direito, bem como, ampliar o debate desse arcabouço jurídico/agrário para o conjunto da sociedade, e assim, proporcionar um processo de informação e discussão sobre a necessidade da reforma agrária em nosso país, centrado na justiça social e livre do julgo ideológico.

2 comentários:

Anônimo disse...

" Prezado Raimundo - O acesso a magistratura privilegia, na sua maior parte, a entrada de juízes, que são de famílias capitalistas ou de reprodutores desta ideologia. Logo,ao aplicarem a legislação, como voce disse em seu texto, ao invés de utilizarem a Constituição Federal, diploma legal, avançado e adequado para a resolução do conflito agrário, eles utilizam o Código Civil,cuja concepção é para a resolução de conflitos privados e não se adequa a resolver conflitos sociais. No Estado de São Paulo, salvo raras e honrosas exceções, como a Associação dos Juízes para a Democracia,o ambiente na Magistratura é muito conservador,atrasando em muito o movimento pela Reforma Agrária.

Dedé "

Unknown disse...

Parabéns pelo texto. Isto nos faz concluir cada vez mais q dir agrário, onde se encontra a questão agraria, se encontra entre os chamados direitos humanos, os direitos fundamentais.
Maria Cecilia l Almeida.

Modo de produção – Assentamentos rurais

Raimundo Pires Silva

A redistribuição dos direitos sobre a propriedade, ou seja, a modificação do regime de posse, uso e gozo da terra, constitui a essência dos assentamentos de reforma agrária. A modificação no uso da propriedade feita pelos assentamentos rurais necessita ser drástica, isto é, o modo de produção precisa apresentar características estruturais totalmente diferentes do que era antes.[...]

O combate à pobreza com cidadania e dignidade passa, sim, pela Reforma Agrária ou, Vigília de Carnaval pela Reforma Agrária!

Neste último mês de fevereiro, deparamo-nos com notícias preocupantes sobre uma possível idéia do atual governo, divulgada pelos meios de comunicação, sobre a extinção ou redução das competências do INCRA. Na verdade, entendemos essa possível medida não apenas como um ato de extinção de uma autarquia federal qualquer, ou, como ato para se ter um órgão a menos na máquina governamental.. [...]

Conjuntura Agrícola

"A partir desta data, aqui no blog, iremos acompanhar mensalmente o comportamento do preço do leite nas principais zonas produtoras do estado de São Paulo. Pretendemos disponibilizar para todos, principalmente, para os pequenos produtores familiares, um conjunto de informações para auxiliar no planejamento e análise da conjuntura agrícola e agrária."
[José Juliano de Carvalho Filho; Lançamento do Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; Câmara Municipal de São Paulo 07/12/2010].

ESTADO, SOBERANIA E O DESEVOLVIMENTO

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Este arrazoado busca contribuir para a compreensão do Estado nacional[1] contemporâneo e sua soberania – de seu passado, de seu presente e de seu futuro. É uma análise enxuta e genérica que aborda a herança recebida pelo governo Lula, as transformações realizadas por este e as propostas para sua consolidação.

Os assentamentos – comunidade em construção

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Os assentamentos rurais trazem no seu horizonte algumas alternativas econômicas e sociais para uma parte significativa dessa população de trabalhadores brasileiros, que se encontra marginalizada e excluída do processo de produção vigente e que configuram a atual questão agrária brasileira.

Questão Agrária

Vários pensadores brasileiros e estrangeiros se debruçaram em analisar a Questão Agrária. Entre os brasileiros, Ignácio Rangel foi um dos que construiu uma razoável definição do problema. Para ele a questão agrária diz respeito às transformações nas relações de produção no campo. Ou seja, de como se produz e a forma dessa produção.
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REFORMA AGRÁRIA EM DEBATE