José Gomes da Silva (1924-1996)


Nasceu em Ribeirão Preto/SP. Em 1964 formou-se em agronomia na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo/USP, recebendo, nessa ocasião, o Prêmio "Epitácio Pessoa”, oferecido pela Sociedade Rural Brasileira, como primeiro aluno de sua turma, o que já fazia prever a brilhante carreira a se construir.  Em 1950 obteve o título de "Master of Science" pela University de Illinois, nos EUA e, em 1954, tornou-se “Doutor em Agronomia” pela Universidade de São Paulo/USP.  A partir de 1963, participou de vários cursos internacionais sobre Reforma Agrária, patrocinados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo Ministério da Agricultura e Ministério das Relações Exteriores de Israel, pelo Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas da OEA. Foi bolsista da OEA e dos Governos de Israel, Itália, França e Espanha para visita aos projetos de Reforma Agrária destes países, além de bolsista do “Institute of Developing Economies”, em Tóquio no Japão. Visitou, por inúmeras vezes, os países da América do Sul para conhecer suas experiências de Reforma Agrária, além de outros na Europa, na Índia, na República Árabe Unida, na União Soviética e na China.

Além de empresário rural de sucesso, com diversas premiações oficiais pela excelência na atuação relativa ao solo e à produção e como engenheiro agrônomo atuante, José Gomes da Silva tem vastíssimo currículo no serviço público, que iniciou em 1959, como Diretor da Divisão de Assistência Técnica Especializada do Departamento de Produção Vegetal, da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Chefe do Serviço de Expansão de Soja, coordenou o programa que lançou as bases econômicas da cultura da soja no sul do país. Organizou e foi o primeiro Diretor da Divisão de Assistência Técnica Especializada (DATE) da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo.
Em 1964, foi Presidente da Superintendência de Política Agrária/SUPRA e responsável pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária/IBRA. No ano seguinte, foi membro do Grupo de Trabalho de Regulamentação do Estatuto da Terra (GRET), instituído junto ao Gabinete do Ministro do Planejamento e Coordenação Econômica e assumiu a Coordenadoria do Grupo de Trabalho do Programa Específico de Cooperativas Açucareiras de Reforma Agrária. De volta a São Paulo, em 1966, organizou e dirigiu a Divisão de Sócio-Economia Rural da Secretaria de Agricultura do Estado.
Foi o idealizador e fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária/ABRA, em 1967, foi seu Diretor-Executivo e Presidente reeleito por diversas gestões.
Foi ainda Consultor da FAO/IICA nos Estudos do Comitê Especial da FAO sobre Reforma Agrária em Roma, na Itália. Consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) na preparação de informe sobre "Capacitação de Camponeses para a Reforma Agrária e Colonização" em 1972 e Consultor da FAO em 1975 na Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional na preparação do estudo: "Novas Formas da Organização da Produção Agrícola" em Berlin, na República Federal da Alemanha.
Como empresário, José Gomes da Silva exerceu o cargo de Diretor da Cooperativa Agrícola de Pirassununga e da Cooperativa Agropecuária de Campinas.
Em 1983, a convite do Governador eleito André Franco Montoro, assumiu o cargo de Secretário da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, quando criou o Instituto de Assuntos Fundiários, depois ITESP e hoje Instituto de Terras “José Gomes da Silva”, em sua homenagem.
Em 1984, como Vice-Presidente do Conselho Estadual de Energia, ficou encarregado dos programas de biomassa, especialmente do Proálcool e suas implicações fundiárias.
Convidado pelo Presidente eleito Tancredo Neves, assumiu em 1985, no governo Sarney, a Presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/ INCRA e coordenou a equipe que elaborou o 1º Plano Nacional da Reforma Agrária da Nova República-PNRA.
Em 1990, foi coordenador da área de Agricultura e Reforma Agrária do Governo Paralelo da Frente Brasil Popular.
Esta extensa enumeração dos cargos que José Gomes da Silva ocupou não traduz, nem de longe, a importância de sua contribuição para a Questão Agrária Brasileira.  
É importante salientar que, logo no início de sua carreira, fez parte da equipe do então Secretário de Agricultura do Governo Carvalho Pinto - José Bonifácio Coutinho Nogueira - que elaborou o Programa de Revisão Agrária do Estado de São Paulo na década de sessenta.  Ao mesmo tempo, sua capacitação para programas de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural dava-se em todos os sentidos, tanto por sua participação e contribuição na prática dos projetos ensaiados no estado e no país, como nas experiências internacionais que pôde conferir in locu.
Sobre sua participação na equipe que elaborou o projeto de lei do Estatuto da Terra, era com riqueza de detalhes que José Gomes transmitia sua crença e idealismo na construção da Lei de Reforma Agrária para o país.  Em suas palestras e cursos, nas publicações da ABRA e no próprio livro que escreveu - “A Reforma Agrária no Brasil”, (1971), lembrava que, desde o envio da proposta legal ao Congresso Nacional, a lei já era fortemente combatida pelas classes proprietárias de plantão. Dizia ainda que havia se repetido na esfera federal, em 1964, o mesmo repúdio e fortes reações adversas que a Revisão Agrária do Estado de São Paulo tivera em 1960.
Decepcionado com a inércia e o descaso do governo federal em fazer valer o Estatuto da Terra, José Gomes pediu demissão de seu cargo na Presidência da SUPRA e no IBRA. Juntou-se, então, a outros companheiros desapontados e, em 1967, fundaram a ABRA – entidade da sociedade civil, sem fins lucrativos que se manteria, como ele mesmo ironizava, como uma “lamparina sempre acesa” a cobrar do governo a Reforma Agrária do Estatuto da Terra.
O Doutor José Gomes da Silva nunca deixou de prestar contas ao seu país e à sociedade, de todo o investimento que o Estado e as instituições internacionais lhe proporcionaram ao prepará-lo e capacitá-lo como técnico de alto nível nos assuntos ligados à Agricultura e à Questão Agrária.  Era um obstinado pela justiça no campo.  Como se não bastasse a luta, muitas vezes “quixotesca”, em prol da Reforma Agrária – principalmente nos duros tempos da ditadura militar no Brasil – preocupava-se em formar novos quadros e novos entusiastas na matéria, fazia questão de passar seus conhecimentos e não media esforços para atender aos inúmeros apelos de universidades, associações, sindicatos ou de quem quer que fosse e que o quisessem ouvir. Foi um eterno sonhador e buscava com persistência as oportunidades para exercer efetivamente seus saberes amplos sobre a matéria. Procurava trabalhar sempre em equipe e, com espírito de liderança, a todos contagiava. Com extremo bom humor, sabia conduzir as mais difíceis situações de enfrentamentos ao melhor termo. A ABRA, sob sua direção democrática, foi uma trincheira importante e um fórum de discussão, de crítica, de divulgação e espaço de aperfeiçoamento dos estudos sobre a Questão Agrária Brasileira.
A ABRA de José Gomes foi apoio à Luta pela Terra, foi lugar de acolhimento e incentivo aos movimentos sociais existentes no país.
O trabalho sério e a respeitabilidade que José Gomes da Silva sempre manteve junto à sociedade, junto aos políticos, com o reconhecimento até dos adversários, motivou, por mais duas vezes, convocatórias para colaborar com a administração pública em momentos de abertura política.
Assim, em 1983, como já citado, José Gomes foi Secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.  Razões de saúde ensejaram sua prematura substituição, o que não impediu que criasse logo no início de sua gestão um programa de assentamento inovador no Brasil. A criação do Instituto de Assuntos Fundiários/IAF, na sua Secretaria, viabilizou o início dos estudos para a elaboração do “Plano de Valorização de Terras públicas do Estado de São Paulo”, posteriormente transformado em Lei Estadual. O Programa propiciou o assentamento de “trabalhadores sem terra” nas áreas públicas do Estado de São Paulo.
A segunda convocação deu-se em 1985 e lá estava o Doutor José Gomes da Silva a presidir o INCRA, com grande expectativa de mudanças.  Infelizmente, porém, não era ainda a vez da Reforma Agrária, ampla e massiva, que se preconizava e que se pretendia implantar. O Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República/PNRA - elaborado com a participação de mais de cem técnicos de todas as regiões do Brasil - fora grosseiramente adulterado por pressão das classes conservadoras e José Gomes, mais outra vez, fiel aos seus princípios éticos, deixou o governo e registrou “as crises da Reforma Agrária na Nova República” em seu segundo livro intitulado: “Caindo por Terra” (1987).
Em 1988, a Reforma Agrária sofreu outro duro golpe, agora na batalha da Constituinte, melhor dizendo, no enfrentamento com os representantes da União Democrática Ruralista/UDR, criada pelos setores mais retrógrados e truculentos do latifúndio no país. O lançamento do terceiro livro “Buraco Negro: a Reforma Agrária na Constituinte” é importante documento de denúncias a registrar as frustrações da luta dos setores progressistas, defensores da Reforma Agrária no Brasil. José Gomes ofereceu suas memórias aos trabalhadores rurais, na certeza de que o aprendizado poderia ser útil em novos embates do porvir.  Também publicou sobre o mesmo assunto - “Comentários à Constituição Federal arts. 184 a 191” (1991), em parceria com o ex-Procurador Geral do INCRA (durante sua gestão em Brasília) – Luís Edson Fachin.
É importante resgatar, neste contexto, as palavras de Plínio de Arruda Sampaio, sobre as qualidades do amigo Zé Gomes: “[Ele]...tinha uma virtude, hoje quase submersa nesse pântano em que se transformou a política brasileira: coragem cívica.  Não fazia questão de contrariar os poderosos, não se atemorizava diante deles. Voltou para a sua Santana do Baguaçu, na terra roxa de São Paulo, e pôs-se a cuidar do  seu café, da sua cana, da laranja, do limão.”  Acrescentou também que, depois de ter saído do INCRA e passado mais decepções com a derrota da Reforma Agrária na Constituinte, José Gomes não desistiu da luta e, “nessa época,  passou a colaborar com o PT e com o Movimento dos Sem Terra. Para o Governo Paralelo, que Lula havia instituído, coordenou a formulação de três planos: o Plano de Seguridade Alimentar; o Plano de Política Agrícola e o Plano de Reforma Agrária.  O primeiro deles constitui[iu] a base técnica da campanha do Betinho em 1993 - a Ação da Cidadania contra a Fome, contra a Miséria e pela Vida e do CONSEA (Conselho Nacional de Seguridade Alimentar). Os outros dois foram as diretrizes da proposta de governo feita por Lula, em sua Campanha de 1994. Com os Sem-Terra, visitou assentamentos. Com os estudantes, falou em universidades. Com os jornalistas, deu entrevistas. Para o público, escreveu livros. Sempre sobre o mesmo tema: o Brasil precisa fazer a Reforma Agrária.
Plínio disse ainda que “... de todas as qualidades do José Gomes, a que [...] parece mais digna de admiração, foi a capacidade de superar sua condição de classe para perceber e jogar-se por inteiro na luta do povo... era um vitorioso, plenamente instalado em sua classe, em sua profissão, em sua terra. Rompeu com tudo por uma convicção, pela paixão por uma causa justa, pelo entusiasmo em ajudar a construir a Nação.”
E em toda essa trajetória de engajamento e amor por seus ideais, contou com o apoio incondicional de sua esposa, Titina Graziano da Silva, e de seus filhos – a médica Maria Anaites Graziano da Silva Turini, a socióloga Vera Lúcia da Silva Rodrigues e o Engenheiro Agrônomo e Economista José Francisco Graziano da Silva, estes últimos responsáveis pela publicação póstuma do livro que seu pai já deixara finalizado, intitulado “A Reforma Agrária Brasileira na virada do Milênio”, publicado em 1997.
José Gomes da Silva deixou muitos seguidores ainda hoje um tanto fragilizados com sua ausência, mas estimulados sempre por seus valores, por sua obstinação, seu espírito de luta, seu civismo e por sua enorme solidariedade ao próximo.
Vivamos seu exemplo e inspiremo-nos em sua história!

Fonte de referências:
  • Informações de seus familiares
  • Documentos e dados da Associação Brasileira de Reforma Agrária/ABRA
  • Artigos e Textos publicados na coleção do Boletim e da Revista Reforma Agrária/ABRA
  • Depoimento de Plínio de Arruda Sampaio, publicado na Revista da ABRA, vol.26 – jan.-dez. 1996
  • Convívio pessoal da organizadora desta síntese – Sônia Helena Novaes Guimarães Moraes/ vice-presidente da ABRA



Bibliografia de José Gomes da Silva

1. A Reforma Agrária no Brasil: Frustração camponesa ou Instrumento de Desenvolvimento?
Zahar editores -1971

2. Caindo por Terra: Crises da reforma Agrária na Nova República.
Editora Busca Vida 1987

3. Buraco Negro: A Reforma Agrária na Constituinte 1987/1988
Editora Paz e Terra 1989

4. A Reforma Agrária Brasileira na Virada do Milênio
Edição: ABRA 1996
Organizado por José Francisco Graziano da Silva e Vera Lúcia Graziano da Silva Rodrigues


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