A terra no Brasil do século XXI: aumento da concentração fundiária e um limite ao tamanho da propriedade 

Sônia H. Novaes G. Moraes[1]
Movimentos sociais, entidades não governamentais e trabalhadores rurais, reunidos no “Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo”, elegeram como luta prioritária a imposição de um limite ao tamanho da propriedade da terra no Brasil[2] e desencadearam campanha nacional de assinaturas para plebiscito popular (consulta à população).
Nossa Constituição Federal determina que, para que um plebiscito seja realizado, deve haver ao menos, um milhão assinaturas na proposta. A iniciativa é fundamental, pois coloca o tema em pauta e denuncia as aberrações do monopólio da propriedade da terra em mãos de grandes proprietários, do agronegócio e do capital internacional.
Vale lembrar que têm se intensificado as aquisições de terras por estrangeiros no Brasil, na América Latina e nos países pobres da África e da Ásia. Ou seja, o solo, a água e os recursos naturais estão sendo muito cobiçados e alvo de forte especulação imobiliária também aqui no território brasileiro.
Por outro lado, a questão agrária não tem sido priorizada com políticas públicas adequadas de combate à forte, à concentração da propriedade da terra, com o consequente descumprimento de sua função social no país. Muito pelo contrário, a expansão das monoculturas da cana-de-açúcar, do eucalipto, da laranja, da soja e da pecuária demonstra o inverso: o crescimento do agronegócio monocultor inibe as pequenas unidades familiares produtoras de alimentos e geradoras de emprego e renda. A pressão popular advinda dessa campanha, no mínimo, poderá conscientizar a sociedade sobre esse grave problema.
Por que todos os trabalhadores do campo e os operários das cidades devem estar solidários em torno desta ideia? Por que devem assinar tal reivindicação?
Em primeiro lugar, porque as grandes propriedades sem limites de tamanho engolem a pequena propriedade familiar, diminuem o espaço de áreas agricultáveis para a produção de alimentos e para o assentamento e acesso à terra para trabalhadores do campo, sem outra opção em sua atividade profissional. Assim, cresce a demanda reprimida de tantas décadas sem a realização de uma verdadeira Reforma Agrária no país – prevista desde 1964 na legislação – e aumenta o desemprego no campo em decorrência da forte substituição da mão de obra por potentes máquinas agrícolas nas monoculturas de exportação. Um equipamento agrícola usado no cultivo da cana substitui cerca de oitenta trabalhadores rurais. E o Estado de São Paulo é o maior produtor de cana da qual deriva o combustível etanol. Esses trabalhadores cumpriam – e muitos ainda cumprem suas tarefas – de forma desumana, suportando péssimas condições de trabalho que os obrigam a colher cerca de 10 até 14 toneladas de cana por dia.
Em segundo lugar, a realização do plebiscito, é alternativa de se obter terra para a Reforma Agrária, o que poderá ser a solução para os que ainda querem permanecer no campo e querem o direito a uma moradia digna, com trabalho e renda, com políticas públicas especiais para a produção de alimentos, para atingirem plena cidadania.
Em terceiro lugar, a mecanização no campo gera desemprego, pois expulsa a mão de obra para as cidades, sem planejamento ou capacitação adequada e provoca, além de baixa de salários aos trabalhadores urbanos, nova onda de aglomeração na periferia das cidades, com escassez de moradias e sofríveis condições de vida no entorno das grandes metrópoles.
É fato que, atualmente, há grande procura por trabalhadores que possam se adaptar a novas atividades laborais, na construção civil, por exemplo. Porém, mesmo grandes obras (estádios para Copa de 2014 ou outras decorrentes do crescimento de nossa economia) um dia acabarão e nossos trabalhadores, ex-agricultores para onde irão sem prévio planejamento urbano para sua inclusão social? Ficarão marginalizados em novas favelas? Quem produzirá alimentos diversos com qualidade, variedade e quantidades suficientes para nos garantirem a todos, moradores da cidade ou do campo, a segurança e a soberania alimentar? Nossas necessidades alimentares e nutricionais não serão supridas com etanol, biodiesel, celulose, suco de laranja, pasta de soja ou dos produtos de exportação do agronegócio.
Por último, vale a mobilização e a união de todos os movimentos sociais em torno dessa consulta popular, porque sabemos que os direitos humanos e sociais que a todos são garantidos só se põem em prática e se aperfeiçoam por pressão da sociedade.
São as classes menos favorecidas, como a dos sem-terra e a dos pequenos proprietários familiares, que podem fortalecer e criar uma onda de solidariedade em torno deste tema, tendo como parceiros seus irmãos trabalhadores urbanos.
Certo é que se unificam os interesses do campo e das cidades se lutarmos por emprego, renda, abastecimento e fartura de alimentos com qualidade e respeito às condições de vida de quem produz.
A compreensão de que o cultivo da terra deve atender às necessidades do homem que nela trabalha ao mesmo tempo em que se deve praticar um modo de produção em harmonia com a natureza e com o meio ambiente é pré-condição do desenvolvimento e da sustentabilidade do ser humano no planeta.
Dessa campanha para se obter mais terra de trabalho, aprimorando-se o debate pela limitação do tamanho da propriedade da terra no Brasil pode surgir um movimento por transformações no desenvolvimento social e econômico no país e um forte apelo pela evolução dos conceitos e princípios de defesa dos direitos humanos e sociais.
Pode ser que essa “pressão das necessidades” [3] que atinge historicamente os trabalhadores, faça surgir um novo modo de viver em comunidades, além de significar o verdadeiro fortalecimento da democracia brasileira, com paz e justiça!  Plebiscito é exercício da Democracia.




[1] Sônia H. Novaes G. Moraes é advogada e vice-presidente da ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária [2] Quem quiser conhecer melhor essa Campanha Nacional é só acessar o site do “Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo”: www.limitedaterra.org.br [3] Jean Philippe Lévy, “História da Propriedade”, Coleção Práxis, nº. 21, Editorial Estampa, Lisboa, 1973.

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